Dendê, do terreiro para a nossa casa

Você certamente já ouviu falar no azeite de dendê, ingrediente cativo na culinária baiana. Mas e o dendê de pilão? Solange Borges é uma das mulheres que mantém esse símbolo de ancestralidade vivo. 

O dendê de pilão é o carro-chefe da produção artesanal do Sítio da Lagoa, seu pedaço de chão que fica dentro da Agrovila Pinhão Manso, na região de Camaçari, na Bahia. Além das hortaliças e PANCs que brotam no seu chão, Solange colhe os frutos do dendezeiro, uma palmeira que chega a até 15 metros de altura. Da polpa da fruta, cozida, amassada com as mãos e pisada no pilão, sai o óleo de dendê.

O dendê de pilão é um saber ancestral, mantido vivo por mulheres como Solange Borges, que cultiva, colhe e pila o dendê na Bahia

A produção é compartilhada com as famílias que vivem na agrovila e vendida em feiras promovidas com a ajuda do olhar empreendedor de Solange. “Nasci de mãe empreendedora, que foi baiana de acarajé, e sempre empreendi sendo faxineira, empregada doméstica, manicure, vendedora. Também fui baiana de acarajé, secretária executiva, militei no movimento estudantil e no empoderamento das mulheres negras”, diz.

“Liderar causas e ser percebida como líder comunitária foi um movimento natural para mim, porque nunca me calei. Hoje lidero um empreendimento aqui na agrovila Pinhão Manso, o Culinária de Terreiro. Aqui vivem aproximadamente 120 famílias, e meu objetivo é contribuir para que todos cresçam, empreendam e melhorem de vida.”

A relação entre Solange e a terra é antiga, cultivada a partir do que aprendeu com sua mãe. O quintal pequeno da família nunca foi um impeditivo para cultivar o verde e ter variedade de plantas. “Faz parte do meu viver, é algo afetivo mesmo. Criamos galinhas, tínhamos pé de banana, pé de manga, sempre tinha alguma coisa no nosso quintal”, conta. Mesmo com essa vivência, foi só em 2014 que Solange Borges começou sua história no Sítio da Lagoa.

“Cheguei à conclusão de que deveria trabalhar com produtos naturais por conta da minha saúde e dos que estão no meu entorno”, diz. O que ela não consome, é vendido junto aos produtos de outros colegas produtores. 

O projeto Culinária de Terreiro veio mesmo para olhar para quem está no entorno, com vivências voltadas para a agricultura familiar e a comida afro- brasileira. “Outra questão que me motivou a trabalhar com culinária de terreiro, falar sobre candomblé, é desmistificar o preconceito das pessoas, mostrar que candomblé é algo maravilhoso e que lidamos com energias do bem.”

Muitos dizem que a terra emana uma força feminina (e nós, do Elas produzem, nos juntamos a esse coro). “A mãe terra é fantástica, é uma fartura muito grande. Eu fico cada vez mais impressionada com essa possibilidade que a terra dá”, lembra Solange. Junto a outras mulheres da Agrovila Pinhão Manso, ela tem uma abordagem em relação ao trabalho muito diferente da dos homens – e isso só pode ser benéfico.

“Temos um grupo de mulheres, o Mulheres Solares. Essas mulheres são fantásticas, desde as mais novas, que estão na casa dos 30 anos, até as mais velhas, de 60 e poucos. É um cuidado muito grande”, diz.

“Eu vejo a diferença dos homens e das mulheres. As mulheres trabalham com um carinho, com um amor pela terra! Você precisa ver Ivone ajeitando um pé de inhame que ela planta, que começa a enramar e ela tem que cuidar. As mulheres são mais leves para trabalhar. E tendo mulheres aqui na área como em qualquer outra atividade, você certamente vai encontrar seriedade, honestidade, cuidado com o outro. Isso faz parte das mulheres e eu acho isso incrível.”

No Culinária de Terreiro, Solange promove eventos e vivências em torno da culinária afro-brasileira. Do primeiro evento em 2017 até hoje, mesmo com a pandemia de Covid-19 no meio, o projeto cresceu a olhos vistos.

“O Culinária de Terreiro tem me surpreendido sempre. Porque não imaginava que empreender a nossa cultura, o candomblé, a macumba, seria dessa forma! Quando o projeto migrou para o Sítio da Lagoa, eu vendia produtos de qualidade, da agrovila, como aipim, ambrosia e doce de banana. Era um portfólio pequeno, de 6 a 8 itens apenas, mas incluindo produtos de meus vizinhos que não tinham como escoar a produção”, conta.

Solange passou, então, a incentivar a comunidade a plantar cada vez mais. Doze famílias já produzem alimentos regularmente e a comunidade chegou a mais de 70 opções de produtos à venda para o público. 

“É fantástico ver que, quando você coloca uma meta na sua vida e foca nessa meta, você pode transformar o mundo. E assim foi. Com a nossa produção, fomos para as feiras, ampliamos nossa participação e reforçamos a divulgação dos nossos produtos para mais e mais clientes. Marcamos presença nas redes sociais cada vez mais e esse mundo se abriu, se mostrou um universo infinito de possibilidades.”

 

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